Entrevista Luiz Fernando Flores Filho (Choxo)



A entrevista deste domingo é com um cidadão enlouquecidamente apaixonado pelo futebol. Ele ainda joga bola, tentou ser jogador profissional, mas em meio à carreira de advogado, continua se dedicando ao esporte bretão. Não basta somente entrar em campo ou acompanhar os campeonatos. Para ele, é preciso ir aos estádios, independentemente da distância, colecionar objetos e lembranças, bem como organizar jogos e excursões. Sem falar que a literatura futebolística tornou-se uma cachaça. São livros e mais livros que juntos formam uma biblioteca.

Estamos falando de Luiz Fernando Flores Filho, o Choxo. Nascido em Itajaí, em 1963, ele morou em Floripa e um ano em Tubarão. Jogou na base do Avaí de 1979 a 1983 e aos 11 anos se tornou vascaíno por influência do primo que sequer gostava de futebol. 

O pai era Flamenguista e o irmão mais velho Fluminense. Casado com Rita, que conheceu no Kayskidum, ele tem dois filhos: Ian Rafael, nascido em Floripa, e Luiz Gustavo, nascido em Mafra, ambos são Avaianos e Vascaínos. 

Leia a entrevista completa:

1- Você tentou ser jogador?

Comecei no Futebol de Salão em 1975, no Colegial, com o Valcir Moreira de técnico. Depois migrei para o campo. Fui para o Avaí em 1979 depois de passar por uma peneira. Fiz teste no Internacional de Porto Alegre em 1982, onde estavam Dunga e Tafarel, Aloísio e Pinga (zaga titular das olimpíadas de 1982) no elenco dos juniores, treinado pelo lendário Abílio dos Reis, que revelou Falcão, Mauro Galvão, dentre outros. Não me profissionalizei e passei a jogar futebol amador, tendo jogado pelo Continente e pelo Pinheiros da Procasa. 

2- E sua trajetória profissional?

Sou formado em Direito pela UFSC em 1989, Mestre em Direito pela Univali e professor de Direito Constitucional na Universidade do Contestado, em Mafra, para onde vim em 1997. Sou Advogado desde 2000, tendo ocupado cargos na administração pública municipal em Mafra (Procurador-Geral do Município, Assessor Jurídico da Câmara de Vereadores e do Instituto de Previdência de Mafra, e Consultor Jurídico no Município de Itaiópolis). 

3- De onde surgiu essa paixão pelo futebol?
Não existe um fato marcante ou determinante para isso. Meu pai – Luiz Fernando Flores, falecido com 56 anos em 1988 - gostava de futebol, mas não era fanático, longe disso. Foi presidente do Almirante Barroso de Itajaí, em 1962. Meu irmão Evandro gostava de tênis e jogava com meu pai. Desde os 6 anos, em Itajaí, me lembro com uma bola no pé. Lá fiz muitos amigos no Grupo Escolar Victor Meirelles, com quem tenho contato ainda. Depois no Colégio Salesiano em Itajaí. Foi assim em Tubarão, onde morei só 1 ano e meio, nos Colégios São José e Dehon. Sempre me vi jogando e organizando times. O recreio nas escolas era jogando bola e depois da aula também. Chegando no Colégio Catarinense, em julho de 1975, fui apelidado de Choxo (porque falava muito rápido meu nome completo, com o chiado próprio dos moradores de Itajaí, saindo mais um chiado seguido de Flores; virou Choxo Flores e depois só Choxo). Como sempre usei a camisa 9 – menos no Avaí onde joguei de lateral-direito e volante – ficou Choxo-9. Logo nas primeiras aulas de educação física o Irmão Jorge, que presidia o Colegial e lecionava a disciplina, me levou para o Colegial. E depois fui migrando pro campo. Já colecionava álbuns e comprava Placar desde Itajaí. E continuei em Tubarão e em Floripa. Até hoje compro. A paixão pelo Avaí e pelo Vasco sempre caminhou junto.
4- O que mais gosta de colecionar?
Itens sobre futebol: figurinhas de futebol, revistas, livros, jornais, camisas, qualquer coisa que se relacione ao futebol. Reviro sebos do Brasil em busca de raridades. Mercado Livre me conhece bem por várias compras feitas ali. O acervo que possuo hoje, segundo Juca Kfouri, é um dos maiores que alguém, que não vive do Futebol, possui. Desde 1974 coleciono álbuns de figurinhas da Copa do Mundo, tendo todos de lá para cá. Tenho também o álbum da Copa de 1970, completo, e mais outros raros das Seleções Brasileiras de 1950, 1958, 1962 e 1966. Tenho álbuns completos dos campeonatos brasileiros de 1992 até 2019 (que estou fazendo). Tenho a revista Placar desde 1970 (quase todas), coleção completa da Manchete Esportiva, da década de 80 e coleção completa da Revista do Esporte, da década de 60. Vários DVDs de futebol. Conheci 36 estádios de futebol no Brasil e no mundo. Temos uma coleção em casa de aproximadamente 490 camisas de times e seleções, eu com meus filhos. Vi as Copas do Brasil e da Rússia in loco. Tenho jornais, revistas e recortes sobre futebol de vários países, inclusive jornais colombianos do dia seguinte da tragédia da Chape e um exemplar do jornal Gazzetta Dello Sport, italiano, do dia seguinte à conquista da Copa de 1994 sobre a Itália. Minha biblioteca privada possui 844 livros sobre futebol, desde biografias, histórias de clubes, sociologia do futebol, etc. Atualmente ainda disputo campeonatos de futebol de campo em Mafra, categoria veterano, defendendo o SERJU (Sociedade Esportiva e Recreativa Juventude).
5- Qual a diferença entre o futebol brasileiro e o europeu?
Organização. Meu filho Ian morou dois anos na Holanda onde fomos assistir jogos da seleção holandesa e jogos do Ajax. Viajei um pouco e pude conhecer estádios lá de fora, Europa em particular. Em tudo eles são mais organizados. Inglaterra deu fim aos holligans, e nós não conseguimos conter os bandidos (não me refiro a essas pessoas como torcedores) que vão aos estádios para brigar; sequer aceitamos estar ao lado de um torcedor do outro time no estádio. Isso agora começa a melhorar com os espaços para torcidas mistas. Os campeonatos lá são rentáveis e vivem com estádios cheios. As fórmulas de disputa são as mesmas há anos. O campeonato carioca que já foi o melhor do Brasil é melancólico. Lá na Europa os técnicos têm vida longa nos times, privilegiando o planejamento. Aqui se o resultado não vier em 5 rodadas, ele é demitido. A Champions está se tornando mais importante do que a própria Copa do Mundo. O “cartola” europeu dá de goleada no nosso. Se tivéssemos a organização deles, seríamos campeões do mundo ano sim e outro também. O jogador se comporta de um jeito aqui e lá muda, porque se não mudar, não se cria. Ou ele se adapta ao profissionalismo deles, ou não sobrevive lá. A única situação em que somos melhores do que a Europa é no revelar bons jogadores. Nossos técnicos não se adaptam lá também pela cultura futebolística brasileira que não evoluiu. As federações, via de regra, e a CBF, são retrógradas e ocupadas por pessoas que não têm história com o futebol, nem compromisso com a melhora das condições dos clubes e dos atletas profissionais. Nos falta organização, profissionalismo e gestão.
6- Você vem de Mafra, às vezes no bate e volta, para ver jogos em Floripa. Nos conte sobre essa dedicação.
Várias vezes faço isso. Mafra fica a 300 km de Floripa e a 90 km de Curitiba. Vou a Curitiba ver jogos lá com bastante freqüência.  Sou torcedor do Avaí desde 1975. De Mafra a Floripa dá, em média, 4 horas. Recentemente, no último dia 10 de abril, fui a Floripa ver Avaí x Vasco. Cheguei no estádio às 18h50 e saí dele às 23h40, chegando em Mafra às 3h10 da manhã. Sou Conselheiro do Avaí desde dezembro. Já ia antes de me tornar Conselheiro, e agora mais ainda devo estar presente, pelo menos nos principais jogos. A idade já pesa, a estrada requer cuidados, mas...a paixão fala mais alto. Já fui a São Paulo e ao Rio de Janeiro de ônibus ver o Vasco campeão brasileiro em 1997 contra o Palmeiras. Em 2000 estava no Maracanã na final do Mundial em que perdemos para o Corinthians. Em 2000 também fui na final contra o São Caetano, na Copa João Havelange. Em 2009 acompanhei todos os jogos do Avaí em Floripa, no Brasileiro que ficamos em sexto, e fui também aos jogos em Curitiba (Atlético-PR e Coritiba), São Paulo no Morumbi e Flamengo no Maraca. Quando me mudei para Mafra não tinha um grupo de peladas aqui. Hoje estou em quatro. Eu ia e voltava para jogar no Campeche todo sábado, no campo do meu amigo Tochinha (Fernando Reitz). Fiz isso por um ano mais ou meno: saía daqui sábado as 6h da manhã e voltava sábado de noite.
7- Como é ter amigos em Floripa e a vida em Mafra?

Mafra foi uma opção consciente. Minha esposa Rita Sibele é daqui. Conheci-a no dia 30 de janeiro de 1990, quando ela estava no último ano de medicina na UFSC. Estávamos no Kayskidum. Dei em cima dela na hora de pagar a conta, e depois fui procurar saber quem era. 45 dias depois estávamos morando juntos. Estamos juntos há 29 anos. Decidimos vir morar em Mafra por nós mesmos. Tivemos o Luiz Gustavo aqui. Optamos pela tranqüilidade do interior (temos Curitiba pertinho aqui). Não temos a beleza da Ilha, mas temos um trânsito tranqüilo (são 3 semáforos em Mafra e nenhum em Rio Negro). Mafra-SC e Rio Negro-PR fazem fronteira e são divididas pelo Rio Negro. Somam 100 mil habitantes juntas. A vida é tranqüila, todos te conhecem – o que é bom e ruim também - e jogo futebol de campo desde que vim para cá. Fiz amigos aqui nestes 22 anos. O futebol propicia isso. Participo de dois grupos de futebol de campo e um de suíco, mas jogo campeonatos sempre pelo SERJU, nos últimos 8 anos. Já me chamam de Choxo aqui também. Mas, os grandes amigos feitos da adolescência estão em Floripa. Vou com a freqüência que posso jogar pelada no grupo do Varryxnhuga, capitaneado pelo querido Acácio Carreirão, onde tenho muitos amigos: Fernando, Jali, Guto, Zguario, Leandro, Beto, Zeca, todos com amizades que vêm desde 1977. Jogo no campo do Casinho (Eduardo Carioni), onde também tenho ainda vários amigos além dele: Arthur, Glênio, Knoll, Passarinho, Fabinho, entre outros tantos. Organizo tem 7 anos uma festa no campo do Casinho, do MOON, time da adolescência fundado com meu amigo Wallace, no apartamento na Beira-Mar onde minha família morava. Embora eu more aqui e 90% dos “jogadores” são daí, quem organiza a festa sou eu, com a ajuda do Casinho, do Arthur Simone e do Zezinho Carriço, meu irmãozinho de bola e da vida. A distância física e temporal não rompe as amizades.
8- Por fim, qual o recado sobre o futebol para nova geração?
Rapaz quem sou eu para sugerir algo. Eu falo pelo que eu vivi, vi, ouvi, senti e curti. Eu vivi o futebol com paixão; vivo ainda hoje. Não gosto de perder nem em pelada dois contra dois. Chorei nas copas de 82 e 86, chorei com títulos que o Vasco perdeu. Mas, chorei também com os títulos do Brasil, do Vasco e do Avaí. Vivi e vivo intensamente o futebol, mas, ele era assim, intenso. Jogadores eram mais raçudos e vestiam a camisa de um time por mais anos. Hoje, torcer por um time está difícil pela volatilidade do elenco. Vi futebol dos anos 70 a 90 de qualidade induvidosa, até boa parte dos anos 2000. Vi em campo craques como Zico, Falcão, Dirceu Lopes, Zenon, Dicá, Adilson Heleno (meu amigo querido), Rivelino, Romário, Leandro, Júnior, Juninho Pernambucano, Balduíno, Bira Lopes, Ronaldinho Gaúcho e o Fenômeno, Mauro Galvão, Tita e Adílio, e vi grandes jogadores que não são craques (essa palavra deve ser usada de forma comedida), mas são excelentes jogadores, como Dinamite, Nelinho, Moacir, Toninho Quintino, Rubão, Veneza, Beto Fuscão, Luis Pereira, Leão, Andrada, Andrade, Mozer, Júlio Cezar Urigheller, Leocádio Cônsul, Oberdan Villain, estes dois últimos que conheço pessoalmente e jogaram juntos no Coxa. Enfim, vi muita qualidade. Hoje está rara esta qualidade. E vejo muitos jovens saindo cedo para jogar fora, sem qualidade. Vejo muito jovem que não joga um décimo desses que citei, milionários e mascarados que não jogariam em time nenhum do Brasil nas décadas de 70 a 90. Ouvi jogos pela rádio com Januário de Oliveira, José Carlos Araújo, Valdir Amaral, Jorge Curi, Eraldo Leite, Rui Porto, Danilo Bahia, Loureiro Neto, João Saldanha e Mario Viana. Eles eram um show a parte. Hoje temos alguns bons narradores, mas poucos. A TV raramente passava um jogo, hoje se vê campeonatos do mundo inteiro ao vivo. Eu ouvia Vasco e Flamengo no Morro da Cruz no radinho de pilha, com meu amigo Nico (já falecido, Fernando Nicolau Sena, avaiano de quatro costadas e vascaíno de cinco). Lá o sinal pegava melhor. Eu sentia as ondas do rádio e me emocionava, como me emocionei e chorei com a recente reportagem com Januário de Oliveira – “Taí o que você queria, bola rolando no Maracanã”; esta belíssima reportagem me levou de volta no tempo, e um tempo bom demais, que não volta mais, mas que está guardado não em fotos, vídeos ou reportagens, mas no coração. Eu senti muita emoção no Maracanã com 110 mil pessoas, em 1997, quando o Vasco empatou em zero com o Palmeiras e fomos campeões. Senti muita tristeza com o pênalti do Edmundo chutado para fora diante do Dida no Maracanã e mais ainda quando perdemos para a Itália em 1982 e para a França em 1986. Senti muita alegria com o Adilson Heleno e aquele time do Avaí de 1988. São outros tempos. Por isso posso dizer para os de gerações mais novas: respeitem o futebol que tem Pelé como o único Rei, que jamais será alcançado. Respeitem o que nós sentimos quando falamos daquele futebol de Zico, Falcão, Dinamite, Rivelino, Dirceu Lopes, Garrincha, Didi, Coutinho, Gerson, Caju, Jairzinho, Sócrates, Adilson Heleno, Leandro e Júnior. Se eu for citar todos não termina isso. Nós sabíamos as escalações de todos os grandes times de cor e salteado. Eles jogavam juntos por anos. Hoje, fico com a lição do Ian, meu filho de 28 anos que torce pela Roma porque o Totti nunca deixou o time; se criou na Roma e se aposentou na Roma. Ele foi ao último jogo do Totti pela Roma, com 71 mil pagantes e chorou. A emoção que ele sentiu, que só ele sabe como é, decorre da fidelidade do Il Capittano à Roma, apesar de sondado durante anos pelo Real Madrid. Ian e Luizinho são Vasco e não viram o Vasco que eu vi, mas já o viram ser rebaixado 3 vezes, não viram Zenon, Juti, Veneza, Badu, Orivaldo, Rubão e Adilson Heleno, e não viram Andrada, Abel, Zanata, Alcir Portela, Dinamite, Jorginho Carvoeiro, Mauro Galvão, mas torcem pelo Vasco e pelo Avaí com amor. É isso, amem o futebol.

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