Entrevista Fabiana Duarte

A entrevista deste domingo retrata a importância da educação nas escolas de samba. O bate-papo traz à tona uma tese de doutorado que será defendida na Universidade Federal de Santa Catarina. Fabiana Duarte, a autora do projeto, é a nossa convidada. Graduada em Pedagogia, Mestre em Educação e Doutoranda em Educação, a professora da rede pública de Florianópolis elaborou o trabalho “Educação nas Escolas de Samba: Um Estudo das Relações Socioculturais com Crianças”.

Apaixonada pelo carnaval, uniu o ofício ao hobby. No samba, ela é Diretora da Bateria Groove da Favela da escola de samba Os Protegidos da Princesa e ritmista de chocalho da bateria do Paraíso do Tuiuti do Rio Janeiro. Foi também ritmista e diretora de bateria na União da Ilha da Magia de 2008 a 2016, além de ter desfilado como ritmista (chocalho) na Portela e no Império Serrano. Leia a entrevista:


1- Qual a essência e o objetivo da sua tese?

A pesquisa perspectiva pensar a infância por diferentes contextos por considerar que em nossa sociedade há diferentes formas e lugares ocupados pelas crianças, assim, o objetivo central incide em compreender a educação das crianças na escola de samba a partir de uma estudo das relações socioculturais escolhendo para isso uma comunidade com tradição no carnaval da cidade de Florianópolis. Busquei identificar a participação das crianças dentro desse contexto específico, o qual aparece enquanto marca cultural forte na vida cotidiana de comunidades, em localidades especificas, em que as crianças vivem.

2- Qual a relação que o trabalho faz do processo de educação com a cultura e o samba?

Considero que a educação está para a cultura como a cultura está para a educação, delineando em pensar a “educação como cultura” de acordo com Carlos Rodrigues Brandão. Dessa forma, ao pensar na relação das crianças com a cultura do samba sugiro que há nesse processo uma participação das crianças em contexto integrado ao movimento comunitário das escolas de samba, e que vai ao encontro da manutenção de uma “tradição” e uma cultura local. Elementos estes que tomam uma larga proporção e que estão relacionados à criação dos “projetos mirins”, evidenciando uma forte preocupação com a manutenção dessa cultura local, por onde as pessoas (mais velhas) da escola vão criando estratégias de manter pessoas (mais novas) da própria comunidade dando continuidade a essa cultura. As práticas sociais recorrentes no movimento desse contexto vão também, em prol de uma tradição, elemento esse que recai sobre as crianças numa forma de conhecimento sobre uma dada cultura, a qual precisa ser repassada entre as gerações, ou seja, precisam ser ensinadas às crianças. E nesse sentido, é que a educação está relacionada à “ESCOLA” de samba, pois há a circulação de conhecimento nesse contexto.

3- Você escolheu a Embaixada Copa Lord como objeto do estudo. Comente sobre a sua opção.

Na pesquisa sempre lidamos com processos de escolhas e o objeto precisa ser muitas vezes delineado e recortado devido ao tempo de execução dela. Portanto, o critério da escolha pela Embaixada Copa Lord foi, em primeiro lugar, por pertencer a uma das comunidades carnavalescas mais antigas da região e por, principalmente, apresentar maior número de crianças participando das atividades na escola, tendo projetos mirins destinados a elas como o de  passistas e sendo um deles o mais antigo projeto em atividade numa escola daqui que é projeto Seu Terry de casais de mestre sala e porta bandeira o qual permanece em atividade a mais de 20 anos, dados estes identificados por meio de um mapeamento inicial feito durante a pesquisa através das escolas de samba da cidade.


4- No âmbito social e cultural, que análise pode ser feita entre os processos educacionais nas escolas de samba de Floripa e do Rio de Janeiro?

Embora minha pesquisa tenha se concentrado em Floripa, eu pude conhecer alguns projetos com crianças em escolas do Rio de Janeiro (especialmente na Mangueira e Beija-Flor) e acredito que em termos social e cultural as ideias se aproximam em muito, sobretudo naquilo que já citei na segunda pergunta. No entanto, a grande dificuldade de se manter estes projetos aqui em nossa cidade está relacionado a falta de incentivo financeiro e de uma falta de entendimento de que uma escola de samba não se resume ao espetáculo na passarela. Ou seja, o termo “escola” já nos diz muita coisa, e é esse caráter que está em falta ainda. Como Cristiana Tramonte já mostrou em sua pesquisa, as escolas de samba dinamizam processos educativos de caráter social, político, cultural, artístico e étnico, e isso considero que precisa acontecer o ano inteiro dentro das comunidades através das escolas, pensando que este lugar se faz de pessoas, pessoas que ganham visibilidade socialmente, e ainda que, com ações voltadas nesse sentido, pode-se fortalecer essa cultura local.

5- De que maneira se pode mostrar que o samba é cultura e não marginalidade e vulgaridade?

Penso que a escola de samba tem um poder fundamental, que é a cultura, e para mim isto está dado, o problema está num pensamento construído social e historicamente que perpassa por uma lógica colonizadora, colocando determinados grupos numa condição subalterna, e para mim esse pensamento é que precisa ser questionado e rompido. Numa dicotomia social podemos verificar que ao mesmo tempo que o “morro” e a população negra são invisibilizados socialmente, é a partir das escolas de samba que essa população rompe as barreiras e muros que dividem o morro da cidade. Trata-se de um movimento complexo, que envolve muita luta e resistência cultural, mas que nesse processo as escolas de samba têm um papel fundamental mediante sobretudo a essa invisibilidade que é “fruto de relações de intolerância com o outro”. A questão está em desvincular o pensamento social cada vez mais da lógica da colonialidade e de uma homogeneização, “descolonizando” por vez, nosso conhecimento e assim reconhecer outras epistemologias sobretudo a partir de culturas locais, como a do samba. E é esse movimento que proponho na pesquisa, trazendo à tona a educação nesse contexto, demarcando que ali existe circulação de conhecimento e que este tem seu valor.

6- Por fim, qual a sua visão de futuro em relação à educação?

Vejo a educação não como amanhã, mas como o hoje! Parto da concepção de que as crianças precisam viver, conhecer, transcender, experienciar o hoje, superando a ideia de preparação. Mas, como pedagoga e professora, acredito que na educação está o caminho para a superação das “mazelas” sociais.  E diante de um cenário político onde vivemos um desmonte escancarado da educação, precisamos manter vivo um movimento de resistência. E esta é a condição da educação hoje, resistência e luta!













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