Uma obra literária
Um dos pontos altos da noite foi a participação do jornalista Sérgio da Costa Ramos na inauguração do Mural Tércio da Gama no hall do Setor D. Abaixo, o texto lido por ele. Simplesmente uma aula de literatura. Confira:
"Este presente que o Tércio da Gama nos dá, nos 87 anos de nossa paixão, é talvez o primeiro mural esportivo de um clube brasileiro. É o que eu chamo de o Evangelho segundo Tércio, ou o Primeiro Testamento da era Zunino. Ali está o Gênesis do Avaí e a sua atual Santissíssima Trindade. O Leão que representa a torcida; o Guga, um herói brasileiro que representa o Avaí cosmopolita – e o Presidente Zunino, o homem que dividiu as Escrituras alvicelestes entre o Antes e o Depois. Ali está o Avaí provinciano, mas gigantesco em sua paixão. E o Avaí brasileiro, internacional, que começa a nascer com a ascensão à Série A. Este mural, diz o Tércio, nasceu de uma frase minha – mas, na verdade, tudo o que fiz foi registrar um momento de emoção, que sei dizer exatamente como nasceu: foi na noite de 9 de novembro de 2008, uma terça-feira inesquecível, isso no tempo em que jogávamos às terças-feiras. O jogo estava indefinido, caminhando para o final do segundo tempo. Um único gol nos colocaria no Nirvana. E Evando fez o gol da Série A. Neste momento fui para o computador – e escrevi: - Quatro letras. Uma paixão. Um sonho. Uma torcida derramada em ondas azuis, bandeiras ao vento, estandartes imunes ao tempo – chova ou faça sol, eles se erguem na dança do “azul” para levar seus guerreiros à vitória. Avaí, nome de batalha. Três sílabas, o coração forte como um acento tônico e a clarinada, o grito oxítono no final. Seu Cocoroca, que Deus o tenha, nos deu esse nome genial: curto para lembrar, eterno para ficar. E há o tesouro da torcida. Uma torcida campeã, que cultiva um profundo apego à Ilha Formosa, que exerce o ofício de torcer com um certo inconformismo matizado de humor, e que vive banhada por duas baías e duas lagoas, recheadas de camarões e de camaradagem. Avaí sinônimo de beleza. A Ilha mais bela, o hino mais belo, a mais bela camisa – um manto inconsútil, que cresce junto com as crianças, veste o peito dos adultos e, paixão invencível, atravessa uma vida – rumo ao azul infinito, que é a cor da eternidade. A partir desta frase simples – que tem como intrusa a palavra bíblica “inconsútil”, que quer dizer “sem costura”, como o “manto de Cristo” – ali entrou porque era a única que expressava o que eu queria dizer. A camisa do Avaí veste as crianças e vai crescendo junto com elas, como elástica e milagrosa epiderme. Duvido que a camisa de outro time faça mágica igual. Todo o mérito deste mural é do seu autor, Tércio da Gama, que interpretou a frase e a compôs pictoricamente, a partir da epifania que foi a descoberta do baú avaiano e de seu escudo, Santo Graal de uma vida, que passa pelas brincadeiras de infância na bela paisagem da Ilha Formosa e ganha o mundo para conquistar suas glórias – entre as quais a de ser o único clube de futebol - aí está mais uma coisa feita - que é tricampeão mundial de tênis. Graças ao Guga e a Trindade do epicentro do mural: o Leão, o Torcedor-Símbolo e o Presidente-Vencedor. Daqui a muitos anos este mural será lembrado – e a arte do Tércio equiparada a um Diego Rivera, a um Portinari, a um Martinho de Haro. O Avaí é isso: arte dentro e fora de campo. Até nisso damos banho nos rivais. Meyer Filho era avaiano – e já o vejo, berrando do além: “arrombassi né ô, Tércio!” O grande Hassis, também muralista, era avaiano. E avaianos são o Mausé, o Átila e todos os grandes artistas que inauguram hoje a galeria avaiana das belas artes. Meu caro presidente: mesmo que “eles” queiram, essa eles não conseguirão imitar."
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